Paris, 10 de março de 2006
Os cabelos pretos bem cortados sobre
os ombros ondulavam com o vento. As mãos nos bolsos do terno caro italiano. Um
terno cinza escuro que realçavam os azuis de seus olhos, naquele terraço vazio
onde gostava de fitar as nuvens. Nuvens que passavam rápidas por sobre sua
cabeça, há muito esquecera como era pisá-las... Fechou os olhos em nostalgia,
baixando-os.
– Monsieur Akuma... – a voz veio como
o som da água da fonte ali perto, a sua frente. Veio como ondas. – Faltam menos
de dez minutos para a reunião, senhor.
– Merci, Nicole – respondeu, os azuis
presos ao jardim que mandara construir ali e enfeitar com cerejeiras. As flores
que lhe remetiam á ela.
Um suspiro, o bico do sapato de verniz
voltando-se para dentro do prédio. Era engraçado pensar que a Eden Clinic havia
se tornado o centro mundial de estética. Praticamente todos os médicos mais
conceituados na área trabalhavam para a Eden, quer fosse na matriz ou em alguma
das sucursais espalhadas pelas grandes metrópoles mundiais. Uma inclusive, na
América do Sul, no polo brasileiro denominado Copacabana's Eden. A melhor vista
para seus pacientes relaxarem os nervos.
Uma mente tranquila resulta num
rejuvenescimento de pelo menos cinco anos, o restante vem das mãos mágicas dos
profissionais da área e, claro, da mente perfeccionista dos clientes que os
procuram. Noventa por cento deles, mulheres na faixa dos 35 ao 50 anos, cuja
estima foi abalada por um casamento monótono ou filhos que já alcançaram a
adolescência e as fazem se sentirem “péssima”. Ouvia sempre essa palavra de
suas clientes. Péssimas, estigmatizadas, deprimidas... Um leque perfeito de
opções.
Atualmente, entretanto, essa variedade
diminuíra. Eram poucas, as pacientes, de quem cuidava pessoalmente. Seu tempo
se tornara escasso, principalmente no último mês, quando recebera aquele
chamado. Hesitou, por segundos, quando a porta do elevador se abriu, mas
invariavelmente, deixou-o para trás na direção de seu escritório particular
logo abaixo do jardim... Ainda sentia o cheiro das cerejeiras em flor.
– Akuma, meu caro... – Os braços
roliços atiraram-se ao redor de seu corpo e entre a massa de cabelos louros,
divisou o rosto bonachão conhecido do seu contato com Ali Al Jakai; um dos mais
proeminentes donos de poços de petróleo nos Emirados Árabes. Johnatan Hart era
tido como o número um na indústria de petróleo e um visionário. Além de que,
sabiamente, era um dos investidores da Eden Clinic: – Como estão minhas ações,
hein? – Soltou a fumaça do charuto no ar. – Criando casas de milhar, eu já
verifiquei. – Novo tapinha em suas costas e o mais alto saiu de seu alcance com
facilidade, colocando-se junto a sua poltrona, do lado oposto da sala. – Você é
um demônio! – Ouviu as suas costas.
Um meio sorriso crispou os lábios do
moreno, antes que ele se sentasse, fazendo-o fitar o homem louro, malicioso.
– Por isso mesmo, não se esqueça... –
contrapôs em alerta, o que minimizou o sorriso no rosto do louro. – Sem mim,
não haveria John Hart. Agora me diga, quem é dessa vez, Johnatan? – deixou no
ar quando se recostou na poltrona de veludo vinho. – Faz dois meses, desde que
saiu daqui com a loura turbinada.
– Mais ou menos isso... – assentiu o
empresário enquanto tomava o lugar á frente de Akuma.
– Se me recordo bem, só as unhas dela eram
originais quando deixou a clínica... – Havia fechado os azuis e cruzado os
dedos sob o queixo, ao apoiar os cotovelos na mesa. – Foram 10 horas de
cirurgia, John... Para deixá-la atraente aos seus olhos.
Azuis se abriram repentinamente nos
castanhos do louro.
– O que tem para mim agora?
– Estou apaixonado... - Suspirou.
– A morena era sua outra metade... –
pausou quase num escárnio. – Disse-me exatamente isso na última reunião.
– Estava cego por sua beleza –
protestou o louro.
Ambos se fitaram e sorriram
juntos.
– Sabe quantas mulheres lindas
realmente existem nesse mundo, John? – indagou os azuis serpenteando pelo rosto
claro do amigo.
O homem deu de ombros.
– Beleza é um ponto de vista – rebateu
firme.
– Tenho que lhe dar o parabéns por ter
chegado a essa conclusão – ponderou o moreno. – No entanto, noventa e cinco por
cento das mulheres do mundo conseguem ver algum tipo de imperfeição em seus
corpos e rostos, mas nunca em seu carácter. É aí, meu bom John, que elas pecam!
– Não está tentando me demover com
alguma daquelas teorias excêntricas de: o que vale é o interior... – Ergueu as
sobrancelhas. – Está?
– Sendo você, eu jamais ousaria... –
retrucou Akuma sob um sorriso discreto. A maioria dos homens, ele pensava,
gosta de ser enganados por essas mulheres. – Diga-me o nome da moça.
– Marie...
– Marie? – surpreendeu-se, o moreno.
Era a segunda vez, em menos de duas semanas, que ouvia aquele nome. Seu cenho
se tornou impassível sem que o louro se desse conta.
– Isso, Marie. Marie Dupont... – Ele
sorriu, os dentes extremamente brancos apesar do tabaco comprimido entre os
dedos. – Marie, a aeromoça mais bela que já vi em minha vida!
– Uma aeromoça? – Os azuis sorriram. –
John, meu bom amigo, John... – Ele havia se erguido e dera a volta na mesa,
parando atrás do louro. Suas mãos em seus ombros atarracados. Sua voz em seu
ouvido: – Ela lhe disse que o ama?
O louro assentiu o mais depressa que
pôde.
– Antes ou depois de presenteá-la com
um brilhante? – perguntou resignado, o moreno.
– Depois, claro – enfatizou sem
desespero, o empresário.
– Devia parar de comprá-las...
– Você não é um bom conselheiro
sentimental, Akuma – retrucou John. – Não consegue arrumar uma namorada... E
nos conhecemos há quanto tempo? Dez? Quinze anos?
O moreno bufou vencido, os azuis
voltados para as janelas as suas costas. A única mulher por quem se apaixonara
estava em sua cabeça há muito mais tempo que qualquer um poderia supor.
– Você está absolutamente certo, John
– concordou com o amigo, indo até o bar e servindo a ambos de Whisky. – Traga-a
em duas semanas.
– Tudo isso? – sobressaltou-se o
louro. – Achei que a teria perfeita em menos de cinco dias.
– Eu tenho uma viagem inadiável depois
de amanhã... – Não deu muita atenção aos protestos do amigo. Seus olhos fixaram
um ponto na multidão, que se acotovelava para atravessar a rua. Aquela
distância muitos nem identificariam seus corpos, mas ele sabia ser uma mulher
no auge dos seus vinte e quatro anos. Os cabelos levemente avermelhados preso a
um cóqui. As unhas de um tom de café e o tailleur de um azul escuro que
ostentava um pequeno broche onde se lia: Dupont, Marie. Akuma sorriu, levando o
copo de cowboy aos lábios. – Nos vemos segunda, John.
– Você não tinha acabado de dizer duas
semanas?
– Sua paixão pela moça me contagiou.
Estou inclinado a atender seu pedido o mais rápido possível, antes que algum
mal o acometa. – Dirigiu-se à porta e antes de atravessá-la, concluiu: – Não se
atrase.
Enquanto o louro ainda assimilava sua
mudança de decisão, a secretária anotava mentalmente suas novas ordens:
– Desmarque tudo que tenho para hoje,
Nicole...
– Sim, senhor.
– E caso algo seja de extrema
importância, use o celular que lhe dei. – Piscou-lhe o olho antes de deixar um
leve beijo em sua bochecha e tomar o elevador.
Ele não viu o rubor na face dela, como
sempre. Ela não se importou que seus sentimentos fossem desconhecidos por ele,
bastava-lhe os quinze anos ao seu serviço; os presentes de aniversário e Natal;
as rosas do dia da secretária. Ela já tinha quarenta e cinco anos, ele ainda
aparentava seus trinta.
***
A Ferrari F430 conversível disparou na
estrada, cortando em riscos vermelhos o asfalto. Ele baixou a capota quando o
cheiro de maresia atingiu-lhe os sentidos, dando-lhe a certeza que chegara ao
seu destino: Le Havre, Normandia.
Parou em frente á pequena fachada
branca no coração residencial de Saint-Andressa. Comparado aos outros hotéis da
cidade, aquele era pequeno, mas suas dependências eram invariavelmente tão
requintadas como a de qualquer outro hotel cinco estrelas. O gerente, em
pessoa, veio até ele. O moreno retirou os óculos escuros, os cabelos pretos
fustigavam em seu rosto sob o sol poente e sua voz se antecipou a do homem:
– Bon soir, Pierre... – Fechou a porta
da Ferrari e lançou as chaves ao manobrista. – Parece que perdi um lindo dia de
sol.
– Monsieur, o esperávamos amanhã... –
Fitou o homem ao seu lado, que trajava uma bermuda branca com blusa polo azul
listrada, e debruçava-se sobre o pequeno porta-malas, retirando dele uma bolsa
de mão branca.
– Isso quer dizer que ele ainda não
chegou. – Sorriu-lhe enquanto o gerente o seguia de perto ao subir as escadas
do hotel.
– Não senhor.
– Minha suíte, Pierre – solicitou ao
parar no balcão e jogar a mala por cima do ombro esquerdo enquanto espetava os
cabelos com a mão livre.
– Ainda está sendo arrumada... –
pigarreou baixo. – Pardon...
– Me arrume qualquer quarto onde eu
possa tomar um banho.
– Mas senhor...
Ergueu a sobrancelha em advertência.
– Tente me convencer que estamos
lotados... – redarguiu ao apoiar os braços no tampo de granito róseo. – Se
assim for, tomarei banho nas suas acomodações.
O gerente grunhiu baixo, digitando
algo no computador.
– Quarto 205 – anunciou depois de
breve momentos.
– Serve... – ordenou-lhe, em dedos,
que lhe desse o cartão magnético. – Avise-me quando a suíte ficar pronta. Au
revoir...
– Sim, senhor... – escapuliu, num
alívio, dos lábios do gerente.
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– Parcial de 15/30... – declarou ao
erguer a sobrancelha e encará-lo maliciosa. – E se Jacques fizer esse ponto,
você está perdido.
A mão dele que se fechou ao redor da
bola de tênis, quicando-a.
– Cale a boca, Meline... – exigiu num
sorriso mal disfarçado.
– Meu marido é incapaz de perder um
partida, Akuma. – Esperou a bola do moreno ser lançada, enviesada, pela quadra.
O homem de cabelos castanhos bem aparados, porte atlético e bronzeado, metido
num uniforme impecavelmente branco, esticou-se todo para apenas ensaiar uma
rebatida que não ocorreu. A bola passou a sua esquerda, rasgando o ar e
aterrissando 5mm dento da faixa branca. – Ui... – Ela fez uma careta.
– Anote, benzinho, match point para o
papai aqui. – Piscou-lhe o olho.
– Ei, Akuma... – Jacques pôs as mãos
sobre os olhos, interceptando o sol e alertando-o: – Não flerte com minha
esposa.
– É, benzinho... – troçou a loura as
suas costas. – Para você, é Mademoiselle Meline Renée. Casada e dona de uma
barriga de sete meses bem redonda.
Ela se ergueu da cadeira ao canto da
quadra, mostrando-lhe o futuro herdeiro dos Renée.
– Se disser mais uma gracinha... –
Passeou os dedos pelos cabelos escuros. – Mando retirá-la a força daqui.
– Não ousaria. – Estreitou seus verdes
sobre ele.
– Experimente – alfinetou-a.
– Hei... – chamou-os, Jacques, do
outro lado da quadra, impaciente. – Detesto interromper a reunião de família,
mas tenho um negócio para fechar daqui há duas horas, em Londres.
– 15/45 – ela determinou contrafeita,
emburrada na cadeira.
– Boa menina... – ironizou o moreno. –
Jacques, péssimas notícias... Ela vai querer caramelos e chocolates ao invés de
proteína de soja.
– Mande essa bola e acabe com isso – protestou
o amigo, colocando-se em posição de defesa a sua frente.
– Não entregue os pontos, meu anjo –
ela gritou para o marido, acenando-lhe um beijo.
– Ele é meu maior acionista, se eu
perder talvez consiga comprar mais caramelos...
Os três sorriram e a disputa
recomeçou, ao menos até que Akuma ganhasse.
– Boa partida – disse-lhe o amigo
enquanto tomavam água. – Há tempos não o via jogar tão bem, Akuma.
– Aposto que estão falando mal de mim
– ponderou, assim que colocou a barriga proeminente entre os dois homens.
– Totalmente. – Envolveu-lhe o pescoço
com a toalha molhada de suor.
– Tire isso de cima de mim... –
retrucou, desviando do abraço do moreno e refugiando-se nos braços do marido. –
Fede! – Entortou o nariz.
– Quando éramos namorados, não se
importava... – alfinetou-a, levando a toalha aos cabelos.
– Não, eu era cega – retrucou num
sorriso, entrelaçando os dedos aos de Jacques.
– Creio, Meline, que Akuma está de
amor novo – foi a vez do amigo ironizar ao pé do ouvido da esposa.
– Mesmo? – Os olhos dela brilharam nos
do moreno.
– Isso é coisa da cabeça do seu marido
– protestou, desviando os azuis deles e dando-lhes às costas. – Pura
especulação.
– Estava achando que tinha me livrado
de ser a ex-namorada comprometida como desafeto – desanimou-se.
– Sem chances... – Voltou-lhes o
rosto, sorrindo. – Sou amante de uma causa perdida.
– Mas estou grávida de outro... –
redarguiu cínica.
– E serão gêmeos – completou o marido
enquanto seguiam Akuma a certa distância.
Ela ergueu a sobrancelha preocupada e
sussurrou a Jacques:
– Gêmeos?
O marido abraçou-a mais forte e se
beijaram de leve.
– Uma pena que se recusou a saber o
sexo do bebê...
– Será uma menina – cortou-os o
moreno, ao longe, e o celular tocou.
Ele parou e atendeu:
– Pronto... – O azul se perdeu escuro
no horizonte. – Tem certeza? – Uma pausa breve e o casal que se entreolhou
atônito. – Quero meu jato pronto em uma hora... É tudo.
O aparelho foi fechado e devolvido á
sacola de couro branca.
– Problemas?
– Algo numa das minas de diamante na
África do Sul... – Sorriu-lhes. – Nada que eu não consiga resolver.
– Ainda não tira férias, não é? – A
loura sorriu-lhe.
– Não – ele consentiu.
– Foi por isso que não demos certo.
Estalou um beijo em sua bochecha e
abraçou o amigo.
– É por isso que sou o padrinho de sua
filha. – Piscou-lhe o olho. – Cuidem de tudo na minha ausência.
– Ele não muda... – sugeriu Jacques,
assentindo com a cabeça na direção do moreno, que se afastou rapidamente. – Mas
ainda acho que tem mulher envolvida no fato dele ganhar essa partida.
– Você também não muda...
– Mas tiro férias. – Depositou um
beijo apaixonado nos lábios dela.
E aí... O que acharam?
Quero saber!!!
Beijokas,
3 comentários:
HUm... Adorei essa degustação! O livro realmente promete amigaaa!
Tá ótimo!
Aha, que bom que gostou. Vc tem que ler ele todo *-*
Obrigada Van, por ter vindo!!
Adorei ter você aqui!
Beijokas
Flor,
precisamos trocar figurinhas, huaaa.
O voo da Estirpe 2 também é desenvolvido em Paris. Que massa!!!
Adorei a degustação.
Beijos.
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